Projeto criado no primeiro semestre de 2019 já emprega 11 profissionais e prepara para contratar outros 15
Por: Yana Lima
O Amazonas tem sido o destino de milhares de refugiados que chegam ao Brasil pela fronteira da Venezuela todos os dias. De acordo com a Polícia Federal, atualmente há mais de 16 mil solicitações de refúgio de venezuelanos no estado. Manaus é a segunda cidade brasileira que mais recebe pessoas oriundas do país. O fluxo crescente tem sido percebido não só pela comunidade local, mas também pelas empresas. A Electrolux tem uma de suas sedes na capital amazonense e criou no começo de 2019 um programa de capacitação e contratação de refugiados.
O projeto foi dividido em três etapas: preparação dos refugiados para o mercado de trabalho; contratação para vagas temporárias e formação de profissionais autônomos. As fases são independentes – ou seja, quem participa de uma, não precisa obrigatoriamente participar da outra, mas pode fazê-lo se quiser. A seleção e execução do projeto foram feitas em parceria com a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra), que indicou boa parte dos candidatos.
“A Electrolux entra com a formação e as vagas, já a Adra com a indicação de pessoas, documentação e orientação. Nós encaminhamos o currículo do candidato ao departamento de Recrutamento e Seleção da Electrolux e eles aplicam testes de lógica e fisioterapia. Retiramos a prova de português da seleção para facilitar. Os candidatos têm ótimas qualificações”, comenta o gerente de Recursos Humanos da Electrolux em Manaus, Ricardo Vilela Coelho.
A primeira fase do programa - preparação para o mercado de trabalho - é composta por quatro módulos: I. confecção de currículos em português, entrevistas e processos seletivos no Brasil; II. segurança no trabalho; III. lean manufacturing (gestão de desperdícios); IV. refrigeração básica. As aulas duram três horas por dia durante uma semana na sede da Adra em Manaus.
A segunda fase consiste na contratação para vagas temporárias nas áreas de operação oferecidas pela Electrolux. No segundo semestre do ano, a fábrica intensifica a produção de ar condicionado para se preparar para o verão e o incremento demanda mão de obra. As vagas são sazonais, com possibilidade de efetivação para outros setores, se houver oportunidades em aberto.
A terceira e última etapa, que ainda será colocada em prática pela empresa, é a formação em manutenção e refrigeração, para preparar profissionais autônomos que possam prestar assistência técnica aos produtos da marca. Eles não terão vínculos empregatícios com a Electrolux, mas estarão aptos a atuarem no mercado, certificados pela companhia.
"Nós acreditamos no potencial de transformação das pessoas. Nesta experiência aqui na Electrolux, os novos profissionais aprendem sobre manutenção de eletrodomésticos, manuseio das máquinas, processo produtivo e um novo idioma, o português. Dessa forma, ao abraçarmos a causa, geramos muito mais que uma oportunidade de renda, mas também acolhimento. Essa troca é muito rica para os dois lados e nos traz reflexões sobre diversidade e empatia”, afirma Ricardo.
Articulação de colaboradores, voluntários e parceiros para engajamento à causa
Para promover o programa de inclusão de refugiados na planta da Electrolux em Manaus foi necessário alinhar internamente com diversos setores da empresa, já que toda a cadeia seria envolvida. Ricardo conta que conversou com equipes das áreas médicas, documentação, comunicação, com as lideranças e contou com apoio e incentivo da diretoria.
“Expliquei às equipes que para colocarmos o programa em prática, precisaríamos ter um olhar mais aberto e não poderíamos ficar presos a padrões. As áreas precisariam desenvolver uma comunicação melhor com os refugiados. Seria preciso sentar, conversar, ter mais paciência. Estamos difundindo a inciativa internamente. A ideia é divulgar para estimular também as outras plantas de São Paulo e do Paraná”, contextualizou o gerente.
Além do apoio de colaboradores e gestores internos, a iniciativa foi fortalecida pela parceria com o Centro de Apoio e Referência a Refugiados e Migrantes (Care), administrado pela Adra com o apoio da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). A equipe do Care participou desde a concepção do programa junto da Electrolux.
“Nós temos um banco de dados de pessoas em situação de refúgio. Fazemos a tradução dos currículos para o português, orientamos e auxiliamos na triagem. Quando as empresas vêm buscar, nós já temos a seleção de candidatos. Para a Electrolux, indicamos pessoas que tinham afinidade com a área, muitos deles engenheiros. Também oferecemos nossos espaços para os professores capacitarem os selecionados”, explica o coordenador Paulo Perrone.
O Care está em atividade desde janeiro de 2019 e já atendeu mais de 6,5 mil refugiados até o momento, segundo Perrone. Além de oferecer o espaço para formações e cursos, o centro conta com profissionais de serviço social, psicólogos, área jurídica, voluntários e estagiários, que formam uma equipe de 20 pessoas. Disponibilizam o serviço de “telefone sem fronteira” - ligações gratuitas para 22 países - computadores com internet e facilitam doações de cestas básicas e mantimentos para refugiados.
De candidatos a empregados: a mudança na vida dos refugiados
Os irmãos Ernesto Luís Sanchez Gonzales (34) e Isaac Luís Sanchez Gonzales (35) chegaram no Brasil em abril de 2018 com mais quatro membros da família. Após três meses em Pacaraima para providenciar documentos, eles migraram para Boa Vista. A experiência na cidade não foi das melhores, já que a capital de Roraima está inflamada com a nova realidade migratória. Dali, foram de carona até Manaus. Depois de três dias no Terminal Rodoviário, foram encontrados pelas equipes do Acnur e encaminhados ao campo de refugiados. A partir daí as coisas começaram a mudar.
“Tivemos acesso à higiene, conseguimos doações de alimentos, roupas, dinheiro. Estávamos um pouco mais contentes. Fiquei quase oito meses sem conseguir trabalho, mas comecei em um mercadinho. Em junho deste ano, soube da oportunidade na Electrolux. Sei que vai abrir portas para muitas outras” conta Ernesto, que está atuando como operador de manufatura.
Isaac é engenheiro de manutenção mecânica e foi selecionado para um posto na linha de montagem de ar condicionado. Ele conserta as máquinas e checa a qualidade dos equipamentos. Foi bem recebido pela equipe de trabalho e diz não ter sentido discriminação na empresa como sente no dia a dia.
“Estou fazendo o que me formei para fazer. Tenho observado muito para aprender. Eu aprendo com eles [colegas de trabalho] e eles, comigo. Há uma convivência boa. Estou disposto a aprender outras coisas mais e dar o melhor de mim para a empresa. Em algum momento espero ser contratado fixo. Quero estudar no Brasil e fazer uma carreira aqui”, comenta o engenheiro.
Nomy Scarly Hernandéz Niño, 39 anos, é a única mulher da primeira turma de contratados pela Electrolux. De acordo com o gerente de RH, poucas mulheres se candidataram para a oportunidade. A engenheira eletricista chegou ao Brasil em setembro de 2017 e passou boa parte do tempo vendendo salgados, doces e bolos na rua. Ela conta que escutou falar sobre a Adra e deixou o currículo sem muitas expectativas.
“Quando me chamaram, meu pensamento foi: não importa para o que seja, eu quero aprender e entrar na empresa. A cultura de trabalho aqui é totalmente diferente da Venezuela. Agora estou no setor de forno microondas, reviso a pintura e estou aprendendo sobre solda. Sei que não é um trabalho permanente, mas aqui me dão treinamento, entendo como funciona uma indústria no Brasil e ajudo com a estabilidade econômica da minha família”, destaca Nomy.
Segundo Ricardo, ainda é muito cedo para falar de resultados efetivos do programa de capacitação e contratação dos refugiados, já que os profissionais começaram a trabalhar na empresa recentemente, mas os feedbacks até o momento têm sido positivos.
"É notório o interesse, a motivação, a disponibilidade e a aplicação deles no trabalho. É um pessoal muito esforçado. Temos pessoas que se destacaram no curso e já estão sendo cotadas para vagas efetivas. Em um processo de seleção normal, não contrataríamos um engenheiro para vagas de operação. Entretanto, neste caso, colocar um engenheiro para operação é abrir as portas. Nós torcemos para que futuramente possamos chamá-los para as vagas de qualificação devidas”, comenta o gerente de RH.
Fundada na Suécia, em 1919, a Electrolux desenvolve eletrodomésticos e aparelhos para uso profissional. Conta com mais de 55 mil funcionários em 150 países e, por ano, vende mais de 60 milhões de produtos. O Brasil representa 60% nos resultados de vendas da América Latina e é a terceira maior operação no grupo, representando 12% da receita líquida nas vendas globais.
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