BRK Ambiental e Foxtime formam e contratam refugiadas para trabalharem nas áreas de saneamento e hidráulica, com apoio técnico do Senai e Instituto Aliança
Por: Yana Lima
De um encontro ocasional na Suíça entre profissionais da BRK Ambiental e da Foxtime Recursos Humanos surgiu o projeto Reinventar, que formou 22 refugiadas venezuelanas para atuarem como encanadoras e/ou instaladoras hidráulicas. A capacitação técnica foi oferecida pelo Senai a mulheres de diferentes cidades da região metropolitana de Recife e contou com a parceria da Rede Brasil do Pacto Global, Instituto Aliança e Universidade Estadual do Ceará.
Foi durante o Fórum de Empresas e Direitos Humanos da Nações Unidas, realizado em 2018 em Genebra, que as signatárias do Pacto Global se conheceram e firmaram a parceria para realização de uma iniciativa voltada à preparação de mulheres para o setor de saneamento. A inspiração veio do projeto Empoderando Refugiadas, realizado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Rede Brasil do Pacto Global e ONU Mulheres, que há cinco anos promove a empregabilidade desta população no país.
“Sempre quisemos fazer um projeto voltado ao saneamento para as mulheres porque nosso segmento ainda é muito masculinizado. Oferecemos capacitação em áreas de saneamento e temos uma dificuldade imensa de conseguir mulheres nas unidades. Faz anos que tentamos isso. Tínhamos duas a três mulheres em turmas de 100 homens. Conhecendo o Empoderando Refugiadas, decidimos que queríamos unir nosso desejo de levar capacitação profissional à bandeira do empoderamento feminino que a empresa carrega e trabalhar com comunidades em vulnerabilidade social”, contextualiza Thayara Martinez de Pachoal, especialista de sustentabilidade da BRK e coordenadora do projeto Reinventar.
O recorte de gênero do projeto considerou ainda outros aspectos da prestação de serviços de encanamento e hidráulica. Segundo Danielle Pieroni, diretora da Foxtime, falta mão de obra feminina no setor, entretanto existe demanda específica para este perfil de profissional.
“Em um shopping, por exemplo, quando o banheiro feminino precisa de reparos, é preciso interditar o uso porque é um homem quem faz esse trabalho. Em escolas e centros universitários também. Às vezes o banheiro das alunas fica interditado por vários dias por conta dos reparos. É uma dor destes estabelecimentos. Antes do projeto começar, mapeamos se haveria empregabilidade para as participantes e possíveis empresas que poderiam contratar”, comenta Danielle.
A água e o saneamento básico são recursos vitais e direitos humanos, cujos acessos são essenciais para a saúde, sustentabilidade ambiental e prosperidade econômica. O tema faz parte da agenda mundial de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que visa assegurar que o acesso seja garantido à população, independentemente de condição social, econômica e cultural. Segundo Thayara, a ausência de saneamento básico fere principalmente as pessoas vulneráveis devido a incidências em doenças. Com base nisso, outro recorte do projeto foi capacitar pessoas residentes de regiões em vulnerabilidade.
“Escolhemos a região metropolitana de Recife porque é onde temos nossa maior PPP (parceria público privada) para desenvolvimento do esgotamento sanitário. A concessão começou há cinco anos e temos mais 25 anos de contrato. É uma região que olhamos com muito cuidado porque sabemos que irá se transformar localmente. O saneamento modifica a estrutura, melhora as condições da cidade, dá acesso à educação, desenvolve o local. É uma região que tem população vulnerável e em situação de refúgio”, explica.
O projeto ainda complementa as ações do grupo de trabalho de gênero da BRK Ambiental, que possui como metas ampliar presença de mulheres em cargos de liderança na empresa em 40% e de ter o quadro efetivo da companhia composto por 30% de mulheres até 2024. O GT de gênero integra o Comitê de Diversidade e Inclusão da BRK, o DiversifiK, que também atua em frentes como Raça, PCDs e LGBTQ+.
Passo a passo para implementar o projeto durante a pandemia
O planejamento do projeto, feito em 2019, não considerou - é claro! - o desafio de encarar a pandemia global causada pelo coronavírus. Antes de mencionar as mudanças impostas pela crise sanitária da Covid-19, é preciso destacar os processos que prévios de preparação do Reinventar.
O processo de seleção das participantes começou no final de 2019 e contou com avaliação econômica e social para garantir que as candidatas atendessem aos critérios do projeto. A ideia foi fazer uma análise das condições laborais e psicológica, criando estratégias de apoio para evitar a evasão. As participantes passaram por entrevistas para avaliar habilidades e a intenção de seguir na carreira futuramente. Vinte e cinco mulheres foram selecionadas - três brasileiras em situação de vulnerabilidade e 22 refugiadas venezuelanas, sendo que 70% não estavam trabalhando naquele momento. Umas das premissas do Reinventar foi a de organizar um grupo diverso, com as duas nacionalidades, para que todas se sentissem integradas à realidade local.
O curso estava previsto para ter a duração de até seis meses, mas com a pandemia, foi reformulado para três meses, com 80% de aulas remotas e 20% de aulas práticas presenciais – que seguiram as orientações sanitárias da Organização Mundial da Saúde – nas quais as alunas aprenderam a cortar canos, instalar peças, fazer furos e manutenção em caixas d'água. Cada participante recebeu um auxílio mensal de 600 reais atrelados à frequência e ao desempenho. Para acompanhamento das aulas online, elas ganharam também tablet e internet, desta forma, foi possível promover a inserção ao mundo digital, de maneira a atender às necessidades atuais do mercado de trabalho.
A capacitação combinou dois processos simultâneos e articulados: formação básica - soft skills - oferecida pelo Instituto Aliança, e técnica - hard skills – ministrada pelo Senai. A Foxtime complementou a grade com conteúdos sobre marketing pessoal, educação financeira, orientação sobre currículo e comportamento em entrevistas. As atividades visavam estimular o protagonismo das mulheres e as atitudes empreendedoras a serem desenvolvidas no ambiente de trabalho.
“O Instituto Aliança já tem experiência com o desenvolvimento deste tipo de metodologia, principalmente relacionada às competências socioemocionais. É muito importante trabalhar com esse público as questões de auto confiança e auto estima. Incluímos também a questão de gênero. Os princípios dessa metodologia são utilizados em todos os nossos projetos, fazem parte do nosso DNA. Nosso principal desafio foi fazer a adaptação da expertise que acumulamos – elaborando, executando, monitorando e avaliando projetos –, para o espaço de formação virtual”, ressalta Ilma Oliveira, coordenadora-geral da área de Direitos Humanos do Instituto Aliança, parceiro do Empoderando Refugiadas em 2019.
Cerimônia da formatura do projeto Reinventar
A formatura da turma aconteceu em ambiente virtual no dia 30 de outubro de 2020 e pode ser conferida no vídeo acima. Todas as participantes foram entrevistadas pela equipe de recursos humanos da BRK em Recife e duas já foram contratadas. A Foxtime também avaliou as alunas e sensibilizou o time da BRK para a contratação, função que a empresa faz há bastante tempo no engajamento à causa do refúgio.
“Esse tipo de projeto engaja o voluntariado corporativo. O escritório da BRK em São Paulo criou o projeto e a equipe de Recife se engajou. A ideia é encaminhar a outras unidades, para que elas possam ser contratadas. É preciso sensibilizar todas as áreas da empresa. O projeto só começou porque partiu da ideia da própria Tereza Vernaglia, que é CEO da empresa”, comenta a proprietária da Foxtime.
Impactos que reinventam vidas
Considerando as famílias das participantes do programa, foram 116 pessoas indiretamente beneficiadas nesta primeira edição piloto. Milagros Salazar foi uma das alunas do projeto Reinventar. Ela conta que no momento estava vivendo uma situação econômica complicada e que se agravou com a pandemia.
“O curso foi como uma ferramenta para aprendermos como obter um emprego, mas em um formato de passo a passo. Tivemos muita ajuda, aprendi muitas coisas boas e novas. Eu decidi seguir, porque eu quero obter um emprego digno. Eu vou dar o melhor de mim. Esta é a minha meta”, comemora Milagros.
Depoimentos de alunas do projeto Reinventar
Para a BRK, o principal desafio foi trabalhar com uma população em vulnerabilidade social que não conhecia bem o território onde está inserida. Foi preciso desenvolver a auto estima das alunas, criar estratégias para evitar a evasão e seguir com o planejamento mesmo durante a pandemia.
“Essas pessoas não conheciam as particularidades locais, como funciona o mercado de trabalho, a dinâmica do nosso país e muito menos do saneamento e da BRK. Tivemos de provar para que nós acreditávamos no projeto e no potencial delas. Elas escolheram a gente, escolheram o nosso projeto. O desafio foi criar uma conexão e uma relação de confiança com essas pessoas estando distante”, comenta Thayara.
A BRK e a Foxtime planejam dar continuidade ao projeto e escalar para outras regiões onde existam públicos e onde seja interessante para a expansão dos negócios da empresa. Thayara destacou que para a empresa, um projeto como o Reinventar reforça o posicionamento de inclusão, diversidade, valorização do ser humano. “Temos um propósito muito forte de transformação da vida das pessoas por meio do saneamento. Conseguimos ver na prática a transformação que conseguimos causar”.
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